O quotidiano cá de casa (coisas dela II)

Em conversação com um grande amigo, cheguei à conclusão que basicamente a vida cá em casa se resume a duas gajas que partilham a vida e vivem em realidades paralelas que se acabam por fundir, uma tem 8 e outra tem 37 anos. Por outro lado,tenho outra amiga que me diz com a maior descontracção, adorar saber das nossas banalidades habituais, porque acabam por ser hilariantes. Hilariantes? Ser testada ao limite na minha capacidade de aceitar o razoável, não me parece ser hilariante, nada catita mesmo. É claro que tenho momentos, quando já voltei a ter o sangue a circular nas veias ao compasso aceitável, após me ter visto numa luta de titãs mais a teimosia feroz da rapariga de 8 anos, dou comigo a esboçar ao de leve um sorriso até ao ponto da gargalhada, mas até lá, até este precioso momento, ui, passo pela maior das torturas, é que ninguém me preparou quando me lembrei de abraçar a bela da maternidade que isto iria ter destes momentos de guerras e negociações. Ela é teimosa, teimosa, teimosa, irra. Quando não gosta do que tem no prato começa, ‘mãe, quantas garfadas?, e eu, 'quero isso tudo comido, força'. 'Sim, mas quantas?' Respondo-lhe já com o olho esquerdo a tremelicar, ‘todas’, então inicia-se ali um momento de dura negociação. Ela lança um ‘como 6 garfadas’ e eu ‘não, comes 8’, depois escuto de imediato, ‘não, como 5’ e eu, ‘comes 7 e acabou-se a coisa’, e ela do alto do seu ar triunfante, sorri e diz, ‘está bem, como 7 garfadas’...mas isto não termina por aqui, coloca pequenos pedaços de comida que perfaz para aí umas 4 garfadas (eu já aqui falei da astúcia dela não já?) tem de se estar ali muito atento ao prato, ao garfo, ao movimento, à coisa, para me fazer valer, que a rapariga daqui, a dos 37 anos, também é para lá de teimosa. São vendavais de teimosia. Depois passa, mas são momentos de alta tensão, com muita energia, com alguns trovões e grunhidos, mais meus, do que dela. Depois temos a tortura mor, a da roupa, o que vai vestir, que nunca na vida nem na próxima vai vestir o que escolhi, que não quer, que não gosta, que não e não (eu já falei que tem somente 8 anos?), é mais um poço de negociação, pois entendo que a criatura não tem que andar vestida de verão ao longo das 4 estações, e que temos muita pena se as amigas vão criticar, não vão aprovar e afins, lamento, no entanto para não ser chamada de bruxa má diariamente, fazemos o ritual da escolha das peças à noite, embora de manhã se lembre sempre de ir lá mudar uma ou outra coisa. Depois temos os ornamentos, os deliciosos e fofinhos acessórios, e eu de porta aberta para sair e quase a ter um colapso nervoso, pela demora. É hilariante, como diz a minha amiga, mas não no meu filme diário. Ela tem pressa de crescer, eu não, ela tem pressa de ser grande para poder fazer tudo o que os adultos fazem, eu não, ela quer reproduzir o que vai vendo na televisão (não consigo filtrar tudo o que gostaria, e olha que até nem se vê muita televisão por estas bandas), eu não. Por vezes dou comigo a grunhir uns, chega de ser pirosa, isso é demasiado, não precisas de tanta coisa...medo da futilidade?, talvez, mas ela ainda é menina, e ainda está na fase de se identificar com algo, e ao mesmo tempo é muito engraçada, confesso, porque quem a conhece, sabe que ela é senhora duma personalidade forte, e embora tenhamos fricções e muitas diferenças, tento fazer por ela ter sempre a auto-estima dela inabalada...resmungo, muito, mas secretamente (shiuu) adoro que ela defenda o ponto de vista dela, que argumente, e se bata pelo que quer. E vamos lá ver, a rapariga de 37 anos que por cá mora, também é vaidosa, também usa saltos altos, rímel e blush, também se passeia pelo espelho e pondera diante do mesmo o que vai levar para a rua, não é, é tão pirosa quanto a outra!